sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Guias de Aruanda


Guias de Aruanda
A palavra “Guia” dentro das religiões de matrizes africanas, pode ter dois significados. O primeiro refere-se a uma entidade espiritual que guia, orienta, ensina e ampara a pessoa dentro da sua jornada espiritual. A segunda faz menção aos fios de contas utilizados pelos praticantes dessas religiões, esses fios são geralmente feitos com miçangas, sementes e outros adornos.
A palavra “Aruanda” significa um local no mundo espiritual, que remete a paz e harmonia, também pode ser considerada uma colônia espiritual, onde são conduzidos os espíritos que precisam de auxilio e aprendizado sobre as práticas do bem, através da orientação das entidades que lá habitam.
Então o termo “Guias de Aruanda” significa entidades de luz que vivem no local espiritual chamado Aruanda. Os trabalhadores da Aruanda são todos aqueles que levantam a bandeira da liberdade.
Na Umbanda as entidades são classificadas em duas categorias, chamadas de Direita e Esquerda. Essa classificação se dá devido a polaridade energética que o Guia se manifesta.
Resumidamente os guias com polaridade negativa são considerados da esquerda, ou seja, eles trabalham desintegrando, descarregando e retirando energias densas. Na esquerda podemos citar os Exus, as Pombogiras, os Exus Mirins e as Pombogiras Mirins.
Já os guias com polaridade positiva são considerados da direita, trabalham inserindo, equilibrando e harmonizando as energias da pessoa. Na direita podemos citas os Eres, os Pretos-Velhos, os Caboclos, os Boiadeiros, os Baianos e os Marinheiros.
 E também existem os guias que caminham no meio, que estão tanto na direita quanto na esquerda, Nesse caso podemos citar os Malandros, os Cangaceiros, os Ciganos e os Piratas. Abaixo um breve comentário sobre os Guias de Aruanda:
Êres
São entidades que se manifestam com uma roupagem de criança e traz a energia infantil principalmente da pureza, amor, simplicidade, humildade, diversão e alegrias. Muitas entidades antigas e sábias se apresentam com essa roupagem de criança, eles trabalham com irradiações muito fortes e puras, capazes de curar pessoas. Eles geralmente não gostam de desmanchar demanda e de desobessão, preferem fazer consultas, regenerar e equilibrar o corpo humano, sendo considerado como curadores.

Pretos-Velhos
A linha dos Pretos Velhos representa os espíritos dos escravos que viveram sob o rigor do cativeiro. Quando esses espíritos estiveram encarnados, pertenceram a diversas etnias e povos africanos que foram trazidos a força para o Brasil.  Os anciões exerciam a função de curandeiro, médico e orientador espiritual. Esse período escravagista moldou espíritos fortes, perseverantes, resistente e exemplares, pois mesmo vivendo nas condições mais precárias e sem direito a escolha, não se entregaram ao ódio.
Atualmente milhares de espíritos evoluidíssimos adotaram essa roupagem de preto velho, como meio de demonstrar a simplicidade, humildade, amor e caridade. O Preto-velho sábio, humilde e caridoso simboliza a raça negra (a mais velha), a sabedoria (a simplicidade dos velhos benzedores), a humildade (aqueles que se submeteram às condições que lhe foram impostas, e delas extraíram sua força) e a caridade (pois fora da caridade não há iluminação).
Os Pretos-velhos possuem maestria no uso das ervas, nas rezas e benzimentos. Essa linha está direcionada para o mistério ancião e tem como objetivo auxiliar a evolução dos seres. Eles trabalham muito bem com todos os elementos da natureza, utilizando-os conforme a necessidade.

Caboclos
Também conhecidos como Caboclos de pena, representam os índios brasileiros. Essas entidades nos traz a mensagem de humildade e superação, pois mesmo com todas as atrocidades cometidas contra os índios no período colonial e que continuam até a nossa atualidade, eles permaneceram defendendo suas culturas e famílias. Mesmo em situações precárias e até de escravidão, não deixaram que seu povo e sua força fossem exterminados. Hoje muitos espíritos evoluídos utilizam a roupagem de caboclo para manifestar-se, nos ensinando a força, determinação, humildade, caridade e fraternidade.
Possuem o conhecimento e a sabedoria da terra e da natureza, trazem a energia do foco e firmeza. Os Caboclos trabalham muito bem com as coisas que a natureza oferece, são ótimos curadores, rezadores e feiticeiros. Em alguns momentos costumam bradar, assobiar e estalar os dedos com o intuito de limpar e equilibrar o ambiente onde chegam.

Boiadeiros
Os Boiadeiros também chamados de caboclos de couro, representam o povo sertanejo, são entidades que respeitam muito a terra e os animais. Eles costumam trabalhar em equipes, fazendo a menção dos boiadeiros tocando as boiadas.
Utilizam o laço e o chicote como ferramentas para cortar, capturar e desmanchar energias densas. Eles trazem o arquétipo do guerreiro, da pessoa forte, destemida, disciplinada, valente e séria. Trazem profundos ensinamentos de humildade (vida simples), coragem, determinação e firmeza.
Trabalham muito bem com limpeza de ambientes espirituais, desmanche de energias densas e encaminhamento de hordas de espíritos.

Baianos
Os baianos representam todo o povo nordestino humilde e batalhador, são entidades alegres, sinceras e diretas nos direcionamentos. Desmancham qualquer tipo de energia negativa, feitiços e magia negra, é muito difícil encontrar algo que eles não possa mexer. São ótimos em limpezas energéticas pesadas, benzimentos, curas e conselhos. São devotos de Nosso Senhor do Bonfim e trazem mensagens de fé, alegria e firmeza.

Cangaceiros
Alguns consideram que são da linha dos Baianos e outros que seria uma linha a parte. São entidades mais parrudas e sisudas, trabalham com energias mais densas, desmanche de feitiços, amarrações e magia negra. São entidades fortes, que trazem a energia de guerreiro, costumam trabalhar o nosso poder pessoal, autoestima e perseverança.

Marinheiros
Os Marinheiros são entidades alegres e cordiais, na umbanda acredita-se que são espíritos de antigos marujos, pescadores, guardas-marinhos e capitães do mar. Quando eles chegam dão a impressão de estarem “bêbados”, porém o termo correto seria “mareado”, esse termo é usado para alguém que permaneceu muito tempo no mar a bordo de uma embarcação que balança muito e uma vez em terra firme não conseguem ficar em pé. Esse balanço que eles trazem é devido ao magnetismo aquático que carregam consigo, a energia de movimento das ondas.
Eles são ótimos para casos de doenças, para cortar demandas e para descarregar locais de trabalhos espirituais, enviando para o fundo do mar todos os fluidos nocivos de suas limpezas. Os marinheiros são uma linha de grande força, especializada na descarga pesada de casas espirituais, onde o termo “Já lavei meu tombadinho (piso do navio), já deixei tudo limpinho” é muito usado por eles, mostrando os seus objetivos em nossos templos. Nunca andam sozinhos, quando em guerra unem-se em legiões, fazendo valer o princípio de que a união faz a força, o que os torna imbatíveis nesse sentido.

Piratas
Os Piratas têm uma atuação mais específica, pois trabalham o nosso interno, nossos sentimentos enterrados e perdidos com o tempo. Eles nos auxiliam a limpar os nossos porões íntimos, nos permitindo a encontrar nossos maiores tesouros perdidos. Trabalham também fortemente na quebra de demanda e com energias mais densas que os Marinheiros, são alegres e costumam trabalhar em equipes.  Também são chamados de Ciganos do Mar, auxiliando as pessoas nas questões materiais e ajudando-as a encontrar equilíbrio na vida.

Ciganos
O povo cigano é composto de entidades com grande sabedoria mística, humildade, força, alegria e conhecedores das mazelas da vida.
Na Umbanda eles realizam uma corrente espiritual voltada para o plano material e para as necessidades mais terrenas das pessoas. Essas entidades trabalham muito bem com as energias do Oriente, cristais, incensos, cores, os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) e ervas. Eles gostam muito de trabalhar com as forças da natureza, os astros e ancestrais, é um povo de muita alegria e fé, são extremamente devotos a Santa Sara Kali. Eles têm um forte apreço aos oráculos (cartas, bola de cristal, leitura de mão, runas) auxiliam as pessoas através desses instrumentos, sempre orientando para o crescimento e melhoramento, são certeiros em suas palavras e direcionamentos.

Malandros
O maior instrumento de trabalho dos malandros é a alegria, eles costumam se aproximar de pessoas que precisam dessa energia em suas vidas, pessoas com problemas familiares, depressivas, ansiosas, viciadas, menosprezadas pelos padrões impostos pela sociedade, pessoas que precisam enxergar dentro de si como é bom sorrir, como a vida é bela e os problemas mais fáceis de resolver quando somos alegres e gratos ao criador pela nossa existência. Eles possuem uma força de limpeza energética muito poderosa, pois como trabalham sempre na alegria, são capazes de mudar o padrão vibracional da pessoa a qual se aproximam, transmutando todas as energias densas que ali possam estar. São entidades de profunda sabedoria, ensinam, orientaram, por essa qualidade, também são ótimos em casos de encaminhamento de espíritos, com sua paciência e bons em esclarecimentos vão conversando e fazendo a passagem daqueles seres para a luz.

Salve todos os Guias de Aruanda!!
Minhas mais humildes reverencias!
Juliane Camargo 02/2020
Bibliografia
Junior, Ademir Barbosa -  Tarô dos Orixás –– Ed. Anubis, 2015
Pinheiro, Robson – Aruanda – Coleção Segredos de Aruanda: vol 2, Editora Casa dos Espíritos, SP:2011
Pinheiro, Robson – Tambores de Angola – Coleção Segredos de Aruanda: vol 1, Editora Casa dos Espíritos, SP:2015
Saraceni, Rubens – Os Arquétipos da Umbanda: As Hierarquias espirituais dos Orixá. São Paulo, Madras:2019

Saraceni Rubens - As Sete Linhas da Umbanda: A religião dos mistérios – São Paulo: Ed. Madras, 2017





quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Série: Povos Indígenas - Nukini


 
Nukini - o povo da onça pintada
  Nas palavras de Utista Nukini ou Paulo César de Oliveira Silva, uma das lideranças do povo Nukini De acordo com os nossos antepassados, ‘Nukini’, quer dizer ‘onça pintada’. Nós somos um povo de origem da onça. Por isso nós temos respeito por ela e sempre carregamos alguma coisa da onça: um dente no cordão, pulseira ou tiara da pele dela. Hoje, nós vivemos na Terra Indígena Nukini, na fronteira do Acre com o Peru”
   Este povo indígena de matriz linguística Pano autodenominado Nukini (também conhecido como InucuiniNucuinyNukuiniNucuiniInocú-inins e Remo) habita e historicamente sempre habitou a região próxima ao Parque Nacional da Serra do Divisor, ao rio Moa e alguns outros afluentes do rio Juruá seu território fica na fronteira entre o Peru e o estado brasileiro do Acre, atualmente vivem em terra indígena demarcada (TI NUKINI), sendo o município mais próximo o de Mâncio Lima no Acre, abrangendo um território total de 27.264 hectares, sua demarcação começou na década de 1970 porém só foi demarcada em 1985 e homologada em 1991, desse tempo do começo do processo de demarcação aos dias de hoje a população total pulou de cerca de 150 pessoas para mais de 613, gerando uma necessidade de expansão da terra indígena, processo que ainda está em andamento sem prazo para se encerrar.
 
Vista do alto da Serra do Divisor, com rio Moa ao fundo
 (parte do TI Nukini)
A história do contato deste povo, como da maioria dos povos indígenas do Acre foi por causa dos seringueiros que a partir de 1827 que passaram a invadir os rios e seus afluentes atrás das seringueiras para a exportação de borracha, nesse período e posterior muitos povos foram dizimados e escravizados dado aos interesses econômicos daqueles que exploravam esse recurso, em função disso até hoje muitas etnias buscam a reconstrução da sua cultura e o crescimento de suas populações quase extintas. Hoje em dia o povo Nukini passou a reeducar suas crianças para falarem a língua tradicional e o português, em função da colonização desse povo quase se perdeu a língua matriz.
  As práticas medicinais desse povo envolve o uso tradicional de ervas, cascas e raízes como exemplificação O pau-amargoso, árvore de grande porte, é usada para picadas de insetos. A casca de jatobá, como a de copaíba e de arranha-gato, serve para fazer chá para dores em geral, tosse e inflações nos nervos. O chá da casca de quina-quina serve para malária. A seiva do talo da jarina e do olho do açaí para picada de insetos. O cipó-guaribinha – seiva espremida – é usado para gripe. A chichoá – casca curtida na pinga – é um tônico-geral. O malvarisco é utilizado para gripe, tosse e como calmante. O agrião para gripe, tosse, dor-de-dente, sendo ainda um anti-inflamatório.
Feitio de rapé na aldeia Nukini
  O contato com outras culturas também trouxe a ressignificação de algumas medicinas de uso tradicional como a ayahuasca “O povo Nukini, antigamente, tomava ayahuasca para descobrir o que tinha acontecido. A história conta que o povo Nukini era um povo muito guerreiro, matava e morria muito. Então ele tomava o chá e se concentrava na pessoa que tinha morrido e a ayahuasca mostrava quem a tinha matado. Daí ele ia lá e se vingava. Ou, então, quando um roubava a mulher do outro, ele se concentrava e descobria através do chá quem a roubou. Quando eles percebiam que os outros povos estavam sabendo da verdade e iriam se vingar e prejudica-los, daí eles furavam o olho do inimigo, porque quando eles tomavam o chá, não conseguiam se concentrar com o olho furado e eram incapazes de ver a verdade. Hoje não se usa mais assim. A gente usa para a consciência, o chá tem esse papel de resgate da cultura e do ser.- Utista Nukini “
  Sobre o rapé o mesmo Utista completa “O rapé é uma coisa nova. O povo hoje está fazendo misturas que antigamente não faziam. A gente usava um rapé diferente, com ervas, que se fumava. Se tinha um bando de queixada por perto, o meu avô fumava no cachimbo esse tabaco com ervas e a fumaça dizia para onde as queixadas tinham ido. Os novos estão se entrosando com este tipo de sabedoria, mas o povo Nukini ainda tem muito o que descobrir. O povo Nukini não é bem tradicional, perdeu uma base de 60 por cento da sua cultura, mas ainda tem muita coisa guardada, pode-se dizer que é uma etnia em reconstrução.”
   Muitas etnias passam por esse processo de reconstrução de sua própria identidade, resinificando sua ação no mundo e preservando seu habitat, trocando experiência com o mundo de fora e informatizando suas comunidades valorizando o tradicional em paralelo com as técnicas modernas. Valorizar e divulgar essas culturas milenares é o nosso dever e nossa alegria .Este texto foi elaborado com base em duas fontes oficiais que contam a história e a realidade desse povo, indico aqui para aqueles que quiserem se aprofundar um pouco mais https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Nukini e http://cpiacre.org.br/conteudo/2017/01/20/nukini/